Quem lembra daquelas nuvens de açúcar colorido que eram preparadas nos parques da cidade? Eram algodões doces cor de rosa, azuis, verdes, roxos, sempre em cores fortes, que faziam a alegria da garotada. O passeio e as brincadeiras nas praças terminavam em rostos lambuzados e colocados com pedaços de algodão formado por fios de açúcar.
Não sei se por conta da preocupação com o consumo excessivo de açúcar ou se por simples mudança de hábito, raras vezes tenho visto carrinhos de algodão doce nas praças. E, quando os vejo, poucas são as crianças que desfilam com as nuvens de açúcar presas em longos palitos de madeira ou plástico.
Na minha infância, era uma diversão parar ao lado do carrinho e ver o vendedor manejar com destreza os palitos que iam recebendo os finos fios coloridos, até que formassem um chumaço tão grande e fofo que pareciam que iam voar. As crianças de hoje podem ir às lojas de brinquedos e adquirir as pequenas máquinas de preparar algodão de açúcar colorido. Mas os pais parecem temer que seus filhos abusem no consumo do doce e poucos se interessam em presentear os filhos com elas. Acho que o algodão doce está ameaçado de extinção.
bete papo
Passei a minha infância morando em casas, apesar de em diferentes capitais. Por isso, fazem parte de minhas lembranças as festas juninas, com direito a fogueiras e tudo mais. A vizinhança se reunia e oferecia às crianças amendoim carapinha (aqueles cobertos com açúcar), pé de moleque, quentão, pipoca, pamonha, milho verde e tantas outras delícias. Eram feitas festas na rua em que morávamos e também na escola. Lá, eram mais sofisticadas , inclusive com brincadeiras como quadrilha, cadeia e pescaria. Os brindes dessas brincadeiras não importavam, o divertido era participar.
Atualmente, a tradição junina está desaparecendo. Talvez porque a vida nas grandes cidades tenha mudado bastante. Os vizinhos quase não se conhecem, e as crianças pouco saem de casa para programas conjuntos nas ruas. Algumas escolas ainda fazem sua festas, mas geralmente abrem mão da fogueira e das brincadeiras. Determinadas receitas, como pamonha e canjica, parecem esquecidas. E, em tempo de dietas e controles alimentares, nem mesmo o pé de moleque, a paçoquinha, a carapinha e a pipoca coberta de chocolate conseguem muitos adeptos. Mudanças dos tempos.
A cada nova viagem pelo Brasil, aumenta minha convicção de que nós, brasileiros, precisamos conhecer melhor nosso país. Esse conhecimento, com certeza, fará crescer o orgulho por nossa cultura e tradições. É claro que é importante considerar alguns fatores que dificultam o interesse pelo turismo interno: as distâncias são longas, as passagens aéreas são caras, os preços de hospedagem e alimentação são altos. Viajar para a Amazônia é mais caro do que ir a Miami.
Isso precisar mudar. E não adianta os governos estaduais apenas publicarem anúncios mostrando as belezas naturais brasileiras. O que precisamos é de uma mudança nos preços. É o incentivo para que os turistas locais, e não só os estrangeiros, conheçam a imensidão de atrações que temos a oferecer. A começar por nosso cozinha.
Os chefs internacionais já descobriram o valor dos ingredientes e da tradição culinária brasileira. Não é à toa, que eles têm vindo cada vez com mais frequência ao país. Alguns conhecem muito bem a Amazônia, enquanto a maioria de nós nem cogita inclui-la em roteiros de férias. Não sabem que uma ida a Belém para o Festival Ver-o-Peso é capaz de mudar a maneira de verem a mesa nacional.
É urgente que conheçamos e passemos a valorizar o tucunaré, o pirarucu, o filhote, tanto quanto o foie gras. É importante que provemos e aprovemos as frutas típicas de cada região, como o jambo, a jaca, a mangada, o cacau, o bacuri, o cupuaçu. Enquanto importamos queijos franceses e italianos, os chefs vêm em busca do queijo de Marajó e do Serra da Canastra. Enquanto o brasileiro prefere a vodca, os estrangeiros se encantam coma cachaça e a caipirinha. É claro que precisamos de mais técnica, de mais de um Alex Atala para levar a bandeira de nossa gastronomia. Mas, primeiro, precisamos ter orgulho do Brasil e dessa cozinha tão plural, como é a brasileira.
Dias cinzentos e meio friozinhos, e logo me ponho a sonhar com bolinhos de chuva quentinhos e envoltos em fina camada de açúcar com canela. A impressão que me acompanha sempre é de que dias chuvosos ou nublados pedem com urgência uma comidinha daquelas bem gordinhas. Fico com vontade de comer feijoada, de tomar chocolate quente e de comer bolinho frito. Duvido que alguém acorde com um desejo louco por salada. No inverno, salada é quase obrigação, jamais um prazer.
Quando eu era adolescente, minha mãe costumava fritar uns bolinhos recheados com rodelas de banana ou pedacinhos de queijo Minas. Para acompanhar, nossa preferência era por café preto, passado em coador de pano e com açúcar. O açúcar era acrescentado à água, e a mistura ia para o fogo até a chaleira começar a chiar. O perfume que invadia a casa, ao coar o café no coador é lembrança de infância, por isso não abro mão. Bolinho de chuva, então, é pecado que confesso sem culpa. Por falar nisso, não deu vontade de correr para a cozinha e preparar uma porção deles?
2 xícaras de farinha de trigo Para polvilharBolinho de chuva
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Ingredientes
2 colheres (sopa) de açúcar
1 pitada de sal
1 colher (sopa) de fermento em pó
2 colheres (sopa) de manteiga em temperatura ambiente
1 xícara de leite
1 ovo
raspas de limão ou laranja (opcional)
Açúcar
CanelaComo Fazer
Tenho inveja dos ingleses. Explico: eles são reconhecidos como extremamente pontuais. Os atrasos, para eles, são imperdoáveis. Já a maioria de nós, brasileiros, pensa que pode se atrasar meia hora, uma hora, e que todos devem esperar. Ou pior: acreditamos que as coisas não vão mesmo começar na hora, que os horários são elásticos. E nisso temos um pouco de razão.
Costumo me irritar com atrasos. Afinal, se um jantar está marcado para as 20h, é para começar nesse horário. O que quer dizer que os convidados devem estar no local pelo menos 15 minutos antes. Por aqui, o hábito é chegar a partir das 20h30min ou até às 21h. O agravante é que virou um costume nacional ter uma tolerância exagerada, que pode chegar a mais de uma hora de espera, penalizando quem é pontual.
Temos que aprender com os ingleses. Os atrasados é que devem mudar, e não tornar rotina que os pontuais esperem por quem não cumpre horário. Pronto, desabafei!
A melhor lembrança que tenho da Bahia é de seus aromas. O perfume do caju secando ao sol, deixando escuras as encostas de Morro de São Paulo e se transformando em passas que desmanchavam na boca, numa doçura que mantinha bem longe aquele travo natural da fruta in natura. Sem falar no defumado das castanhas queimadas na brasa para estalar entre os dentes de turistas encantados com tanta crocância.
Um cheiro forte e desafiador de mangaba madura, de manga pisada e esquecida apodrecendo pelas ladeiras do Pelourinho, o odor nauseabundo de peixe frito nas carrocinhas de rua de Salvador, sem falar das carnes expostas no Mercado Modelo.
Em Ilhéus, o perfume da paixão: do cacau ao chocolate. A doce fragrância, desconhecida e ao mesmo tempo tentadora, da fruta recém partida. O acre da amêndoa sendo torrada para revelar o aroma familiar e apreciado do chocolate em estado líquido, que desafiava a chocólatra em resistir a passar o dedo nas bordas escorridas com a massa escura.
Na entrada surpreendente no restaurante Amado, ali ao lado do Elevador Lacerda, com o ambiente tomado pelo cheiro das moquecas e da farofa de banana da terra.
Em Arembepe, a lagosta afogada em manteiga preparada pelo pescador que a trouxe direto das pedras ainda viva. Do suco de graviola que fazia a alegria das manhãs ou da água de coco verde refrescado no rio quase ao lado do mar.
De Porto Seguro, a lembrança é de bobó de camarão, de xinxim de galinha com muito amendoim torrado por cima, do coentro que refresca qualquer receita. Mas também da jaca madura, mole, que se esborracha no chão e se transforma de aroma em odor quando abandonada ao sol quente.
Antes mesmo que o dia amanheça completamente, é possível ouvir os pássaros alvoroçados, com cantos diversos em homenagem a mais um dia que promete ser de sol e calor.
O verão, que a tantos atormenta, é minha estação predileta. Parece aquecer não apenas o corpo, mas a alma. A pele ganha tons dourados, há desfiles de roupas casuais, leves e coloridas.
É uma delícia percorrer os parreirais e sentir o aroma doce de uva madura. Aplacar o calor com uma taça de espumante gelado e se deliciar com pães ainda mantidos sobre as palhas de milho em que foram assados, queijos, salames e geleias produzidos ali na Serra por mão calejadas pelo roçar das enxadas.
A toalha xadrez, estendida à sombra, autoriza um breve descanso, uma conversa animada e risadas sinceras. O chapéu de palha volta à cabeça, como um elmo que protege contra o implacável sol. E novamente a colheita é retomada, num trabalho cuidadoso e sincronizado como pede a época da vindima.
Vejo meus dois netos mais velhos, cinco e seis anos, sobre os banquinhos de madeira, interessados em participar das atividades da cozinha. Um pouco é brincadeira, outro tanto é integração, fazer parte. A cozinha talvez seja o lugar em que mais me percebem em atividade. Fora, é claro, os espaços das brincadeiras e dos nossos jogos de videogame. Aos domingos, os almoços são um acontecimento. Com eles, ocultamos dos demais quais serão as sobremesas. Um segredo só nosso.
Vejo as mãozinhas ávidas em amassar o pão, mexer o bolo, cortar os biscoitos. Só um descuido e lá se vai um pedaço de massa crua para a boca. “Eu só queria provar”. Os dois aprenderam a evitar o contato com o forno, que pode estar quente. Mas se arriscam em ver quem pega primeiro o biscoito que acaba de ser assado e ainda precisa amornar um pouco.
O mais novo dos meninos, de dois anos e meio, adora a consistência da massa de pão, que espreme entre os dedos. Reivindica espaço pra participar. Pede colo para enxergar as panelas. E, boa boca, diz gostar disso, daquilo, na verdade, de tudo.
Ao me ver na cozinha sai com a frase costumeira: ‘Vovó, Neneco quer uma coisinha”. O que é a coisinha? Nem ele sabe. Abro a geladeira, ele examina o que tem dentro. Olha a fruteira, os armários. Se nada o atrai, pede um suquinho e corre para se divertir com qualquer brinquedo.
A mais nova de todos ainda não sabe pedir com palavras, gesticula e aponta para o pote de biscoitos. Por enquanto, seu único interesse.
Sinto o espaço da cozinha como um manancial de afeto. Saem dali os pratos prediletos de cada um dos filhos, noras, genro, netos, pais, marido e agregados. Os almoços de domingo lembram uma mega produção, que pode ter início no sábado e que no dia seguinte, ao chegar à mesa, desaparece em minutos. E tudo recomeça na semana seguinte.