Se há muito existe uma disputa entre as cozinhas francesa e italiana sobre qual a mais importante como influência na gastronomia mundial, registros históricos mostram que o refinamento à mesa dos franceses se deve em muito a Catherine Di Medice, a nobre italiana que viria a se tornar rainha da França ao se casar com o futuro rei francês Henrique II.
Do século 14 ao século 16, os banquetes medievais na Itália passam a ser deixados de lado, dando lugar a um certo requinte na cozinha. Naquela época, apesar de apenas duques, condes e outros nobres terem acesso aos aparelhos de jantar, às toalhas bordadas e às porcelanas, já havia um grau de sofisticação do comportamento à mesa. E Catherine, sobrinha do papa Clemente VII e pertencente à célebre família que dominou Florença por três séculos, a Casa dos Medici, frequentava esse meio. Os integrantes da família, além do pulso forte na política, no comércio de produtos têxteis e nas operações monetárias, praticavam o mecenato nas artes e na arquitetura. A estética e o refinamento faziam parte do dia-a-dia da nobre italiana.
A refeição da época do Renascimento, na Itália, incluía hortaliças e pratos frios expostos em uma mesa lateral. As carnes brancas, como a vitela e as caças, eram símbolo de status e tinham a preferência da nobreza. E foram esses costumes que Catherine (1519–1589), levou para a França, em 1553, ao se casar, aos 14 anos, com o futuro rei Henrique II, marcando o início da tradicionalíssima culinária francesa.
Ao mudar-se para Paris, a nobre italiana levou consigo um séquito de serviçais, entre eles, amas, cozinheiros e confeiteiros, além de muita prataria, porcelanas e louças. Sem esquecer as alcachofras, os cogumelos e as trufas. Até então, os franceses ainda comiam com as mãos. Catherine introduziu o uso do garfo. No início, houve alguma resistência dos franceses que diziam que o metal interferia no sabor dos alimentos. O garfo surgiu com apenas 2 dentes. Bem mais tarde, ganhou um terceiro. E, apenas na virada do século 17 para 18 é que foi acrescentado o quarto dente, como é hoje. Outros hábitos disseminados por ela foram o de lavar as mãos antes das refeições e tratar os banquetes como um evento.
Os cozinheiros da florentina eram orientados para manter os hábitos culinários e as receitas de sua terra, a Toscana. Os cozinheiros da nobre italiana levaram de Florença receitas que atualmente costumam ser atribuídas à cozinha francesa, como o molho bechamel (salsa colla), o pato com laranja (na Itália era utilizado o marreco), a sopa de cebola (carabaccia), o crepe (crepelle alla fiorentina) e o omelete (fritata), entre outros.
Catherine apreciava os banquetes, em que servia ensopados e doces. Na época, os doces franceses utilizavam apenas o mel como ingrediente. Foi com os confeiteiros italianos que o açúcar passou a brilhar, e algumas sobremesas ganharam fama na cozinha francesa. Como o macarron, que surgiu como maccherone, no século 16, como um biscoitinho de farinha de amêndoas e que só mais tarde veio a ganhar recheio e a forma como é conhecido hoje.
Os historiadores contam que o sorvete chegou à Itália pelas mãos de Marco Polo, trazido da uma de suas viagens à China. Só no século 16 é que teria saído do país quando um dos cozinheiros de Catherine introduziu a sobremesa gelada na corte francesa. Considerado uma iguaria real no século 16, o profiterole também tem sua receita atribuída aos cozinheiros da nobre italiana. Além do frangipane (creme cozido de amêndoas). Mas foi o bolo decorado do casamento dela com Henrique II que mais impressionou os convidados. Montado em andares, virou sinônimo de status, na época.
Catherine valorizava os embutidos e os presuntos. Os miúdos ganhavam espaço à sua mesa, com os crepes de fígado, croquetes de miolos e o timo. Também as aves e os peixes, em quenelles de peixe e ave, na galinha d’angola recheada com castanha e os escargots. Estimulou a inclusão de alface, cenoura e rabanete nas refeições dos nobres franceses. A futura rainha tinha o hábito de consumir frutas ao final das refeições, beber licores (principalmente o marasquino) e degustar muitos doces.
Outra mudança importante determinada por ela foi revogar uma praxe que vigorava para as mulheres da corte, permitindo que elas começassem a participar dos almoços e jantares públicos, antes permitidos apenas aos homens.
Ao morrer, aos 69 anos, Catherine deixou como legado o desenvolvimento da culinária na França. Os novos hábitos que disseminou, como o de contratar chefs para preparar as refeições, passaram a ser adotados primeiramente pelas famílias nobres e, depois, pela burguesia. A cozinha regional, com suas tipicidades, se tornava identidade única. A gastronomia da França ganhava assim destaque e se tornava produto de exportação.