No México, é hábito preparar o chocolate quente dissolvendo a barra caseira em água, em lugar de leite. Para isso, é preciso que o líquido esteja fervente. Os mexicanos criaram, então, uma expressão para representar uma pessoa fervendo de raiva ou com outra emoção extremamente forte: “como água para chocolate”, que, utilizada cotidianamente, se tornou também o título do mais famoso livro da escritora mexicana Laura Esquivel.
Representante do realismo mágico, característica da literatura latino-americana que funde realidade e magia de forma que pareça crível para quem lê, Como Água para Chocolate conta a partir da comida a história de três irmãs e uma viúva que moram numa pequena fazenda no México, durante a Revolução Constitucionalista.
A história é contada por intermédio de um livro de receitas, passado de geração a geração das mulheres da família. Estudiosos atribuem a Laura Esquivel a criação do que chamam cozinha-ficção, em que a linguagem se faz através das receitas culinárias.
A comida é o fio condutor da história. Cada capítulo abre com uma receita, uma para cada mês do ano. Após iniciar a receita, a narradora (sobrinha-bisneta de Tita, a personagem principal) interrompe para começar a narrativa. Depois, volta à receita e, novamente, à narrativa. Aí vai mesclando ingredientes, acontecimentos, modo de preparo, alegrias, tristezas, amores, indiferenças.
“Diziam que Tita era tão suscetível cebolas que chorava sem parar quando quer que fossem cortadas”.
Tita, a irmã mais nova, nasceu na cozinha e cresceu entre aromas e sons dos alimentos preparados por Nacha, a cozinheira da família.
“Tita chegou a este mundo prematuramente. Bem ali na mesa da cozinha, entre os aromas de sopa de macarrão cozinhando em fogo brando, de tomilho, de louro, de coentro, de leite fervido, de alho e, é claro, de cebola”.
Nesse local, as três meninas eram mais felizes do que perto da mãe. Ali, Tita desenvolveu o prazer por cozinhar, com amor e dedicação. Os pratos que preparava ficavam impregnados de emoções que sentia e chegavam a quem as comia. Impedida de ficar com o amado Pedro, que acabou se casando com a irmã Rosaura, Tita ainda foi obrigada pela mãe a fazer o bolo de casamento dos dois.
“Nacha estava do lado de Tita e fazia tudo ao seu alcance para aliviar aquela dor. Com o avental secava as lágrimas que rolavam nas faces de Tita e dizia:
– Minha filha, agora precisamos terminar o bolo.
Aquilo levou mais tempo do que deveria; a massa não engrossava porque Tita continuava a chorar”.
A tristeza da cozinheira foi passada para o bolo servido no casamento de Rosaura, o que fez com que todos os convidados passassem mal. Em Como Água Para Chocolate, a dimensão comunicativa da comida pode ser vista também quando Tita prepara a codorna com pétalas de rosa. Nesse prato, ela colocou todo seu amor por Pedro, gerando paixão em todos que degustaram a iguaria à mesa.
Os acontecimentos ocorrem na cozinha da casa e na mesa, onde todos partilham refeições, no dia a dia ou nas festas, a comensalidade transforma o ato de alimentar em um acontecimento social, onde as sensações partilhadas aproximam o grupo.
Outra receita repleta de significados e que abre o capítulo correspondente a setembro é a rosca de Reis, que despertava as saudades de todos e de tudo. Saudades da infância, de quem estava longe, dos amores perdidos, dos momentos alegres. Saudade do tempo em que havia esperança.
“Se ela pudesse voltar a um só momento daquela época, se resgatasse um pouco da alegria daqueles tempos, podia preparar um pão de Reis com o mesmo entusiasmo que sentira! Se ela pudesse comer o pão com as irmãs, rindo e brincando como nos velhos tempos, quando ela e Rosaura não competiam pelo amor de um homem, quando ela não sabia que não poderia se casar, quando Gertrudis não havia fugido de casa para trabalhar num bordel e quando ela ainda acreditava que, todos os seus desejos se tornariam realidade se achasse o boneco no pão”.
A receita
Quem quiser experimentar um dos sabores que ilustram a obra de Laura Esquivel pode preparar a rosca de Reis, colorida a aromática.
Rosca de Reis
ImprimirIngredientes
4 xícaras de farinha de trigo
5 colheres (sopa) de açúcar
100g de manteiga
raspas de cascas de 1 laranja
2 ovos
6 colheres (sopa) de vinho do Porto
6 colheres (sopa) de leite
1 colher (sopa) de fermento biológico seco
1 pitada de sal
120g de frutas (nozes, frutas cristalizadas, passas, damasco)
Cobertura
1 ovo
cereja
damasco
frutas cristalizadas
açúcar de confeiteiro
Como Fazer
- Em uma vasilha, misture o fermento, o açúcar, os ovos e o vinho do Porto.
- Junte a manteiga, as raspas de laranja e o leite.
- Adicione a farinha de trigo com o sal.
- Sove bem a massa e cubra com um plástico, deixando crescer até dobrar de volume.
- Amasse bem e junte as frutas picadas, sovando bem até que as frutas fiquem bem distribuídas.
- Modele um rolo, como rocambole e disponha na forma de buraco no meio.
- Cubra com plástico e deixe crescer novamente até dobrar de volume.
- Para a cobertura, bata ligeiramente o ovo e pincele a superfície da rosca.
- Distribua as frutas da decoração.
- Leve ao forno preaquecido, a 200 graus, por cerca de 40min.
- Deixe amornar, desenforme.
- Polvilhe com açúcar de confeiteiro.
Notas
* A rosca de reis é uma tradição no México, Portugal, Espanha e Argentina, oferecida no dia 6 de janeiro, Dia de Reis. * É um pão doce em forma de rosca, perfumado com raspas de cítricos (laranja, limão ou bergamota) e aromatizado com água de flor de laranjeira ou vinho do Porto (em Portugal). * O formato é uma alusão às coras dos Reis Magos, e as frutas às pedras preciosas. * Era hábito esconder brindes dentro da rosca: um deles, o boneco, realizaria os desejos de quem o encontrasse.